terça-feira, 12 de agosto de 2014

bia

Ela é forte. é capaz de destruir com a sua presença, com seu respirar, com sua vida. traz dor e cansaço, aliados à solidão. a solidão sempre está por perto quando bia dá o ar de sua graça.

Minha bia é igual aquela que levou o ator comediante, que ninguém acreditava que morreria tão tragicamente. sim, bia mata. ferozmente como uma bala na cabeça. de tristeza, de angústia, de euforia até. ela assassina por tudo.

Logo que descobri a presença de bia em meu organismo procurei pelos famosos que a tiveram. foram muitos, e muitos me eram heróis. Vicent van Gogh, John Nash - bem, esse era meio óbvio, mas ele mesmo disse que aprendeu a ignorá-la-, Edgar Allan Poe e até Beethoven. bem, parece que bia inspira. nessa época me senti quase que igual a eles, e quanta burrice!

bia tinha se calado por um tempo, mas veio avassaladora esses dias. quando sente o cheiro de solidão, se apossa do meu corpo como uma dama querida, mas nunca convidada. ela é bem desnecessária na maioria das vezes, e só sai quando bem entende. bia tem pensamentos próprios.

resolvi falar de bia por motivos que não interessam, apenas penso no quanto ela é triste e, embora inspiradora, seja tão egoísta. pensa apenas em si mesma, no quanto fará sofrer e que pode demorar o tempo que quiser, deixando um rastro de dor.

Ah, bia gosta de chocolate! e agora eu como mais chocolate do que deveria. não bastasse, bia faz os outros engordarem. ela é mesmo uma vadia.

quinta-feira, 7 de agosto de 2014

da aceitação

quando criança, era chamada de diferente pela família. não era nem aquela resposta dada, de que "possui uma beleza exótica". o título dado à garota era o de "feia", "escura", seguido de um comentário clássico: "sua prima é mais bonita que você".

por muito tempo, tentou ser aceita. tirava as melhores notas, era aluna modelo. mas de que adianta um bom histórico escolar se, infelizmente, ela nasceu com cara de índia. isso era uma vergonha para a família: ter alguém de olhos rasgados era extremamente constrangedor. "Imagine só, essa indiazinha é minha neta. nem parece ter meu sangue".

talvez não tivesse mesmo o sangue deles. talvez fosse alguém que apareceu de surpresa, numa família que não a aceitava, apenas para aprender. como uma flor de lótus que, para nascer mais bela, precisa de um pântano. o pântano era família. a flor, a força de vontade.

decidiu, portanto, que não faria mais parte desse parentesco. nunca fora aceita, nunca fora amada. então, para quê as mentiras, não? fingir que gosta não dá mais certo. amar obrigado não é saudável.

então, ela mudou de sobrenome, se aceitou como diferente, e seguiu feliz. para quê usar um nome conhecido, de uma família conhecida, se você nunca fez parte dessa família? não vale a pena. nomes são apenas nomes, e um dia você tem de deixar de usá-los. pelo seu próprio bem.

seguiu em frente, com todo um amanhã a descobrir e um mundo novo a sonhar. sem problemas. terá a própria família. indiozinhos, também. e sem o sobrenome maldito.


domingo, 27 de julho de 2014

da revolta

Cavalos me dão medo. Sério. Não consigo chegar perto desde criança. Assim como tenho medo de papai noel, e de palhaço. Ai, nem quero pensar em palhaço. Mas hoje o medo de cavalos virou compaixão, virou desespero, virou apelo, virou tudo.

Fui cobrir a Cavalgada 2014, evento tradicional aqui em Rio Branco. É bonito e - acreditem, tem muita gente bonita. Na década de 1970, no governo de Wanderlei Dantas, houve uma grande divulgação do Acre e, com isto, uma intensa imigração de pessoas do Sudeste e Sul. À época, eram chamados pejorativamente de "paulistas", por segundo algum mais conservadores da cultura local, estarem tirando nossas tradições. Mas isso não vem ao caso. Não vou nem entrar no mérito da flora, porque aí daria muito pano para manga, para brigas partidárias e isso realmente me cansa um pouco a mente. Quero falar de uma das minhas maiores lutas: os animais.

A tal cavalgada reflete bem a cultura dos sulistas, o amor pelo sertanejo, o quanto respeitamos e aderimos hoje aquilo que ontem rejeitamos. Toma, Acre! De novo, isto não vem ao caso. O fato é que, ao fazer uma matéria sobre o evento, o que começou bonito - mais uma vez, um bando de gente diferente, com olhos azuis e cabelos claros andando pra lá e pra cá com berrantes e botas e roupas justas - não pude imaginar como seriam tristas as notícias que teria depois. Vi imagens de cavalos - que até então imaginava serem amados pelos fazendeiros que trouxeram essa cultura tão bacana para o Estado - tendo a língua cortada para poderem levantar por desnutrição. Vi surras e gente bêbada brincando com os bichos. E esporas, quantas esporas!

Não entendo para qual motivo vocês colocam chapéu e botaS de cowboy se não entendem o real sentido da cultura toda. Vestem-se de algo que não gostam apenas pela beleza do que não sabem, ou do rítmo que gostam de dançar. Aprendam, por favor! Sintam-se na pele do outro, mesmo que sejam cavalos. Imagem-se sendo expostos, com sol a pino, com sons alucinantes, e com mais de três pessoas no seu lombo. Bêbadas.

Imaginem-se na pele do outro, pelo menos uma vez. E sejam menos hipócritas. Com vocês mesmos.

domingo, 20 de julho de 2014

Voltando: do crescer

Virar adulto é esquisito. Digo isso porque hoje eu tive plena e completa certeza de que, inevitavelmente e irremediavelmente, estou me tornando uma espécie deste raro ser conhecido por sua chatice. Pior, isso se já não tenho tal qualidade e se já não me enquadro na categoria. Quando isso aconteceu? E por que comigo? Logo comigo?

Me pego preocupada com o rapaz barbudo que me divide morada, que já é conhecido entre os meus meus próprios como meu noivo. Noivo! Rá. Há dois anos isso era um sonho de adolescente do qual eu ria, que me fazia bater no peito orgulhosa e dizer ao mundo que o “casamento era uma instituição falida”. Hoje tenho uma lista de convidados para uma cerimônia que já tem mês marcado, mas ainda bem que sem data definida. Ufa! Um resquício de adolescência. Lembrando que tudo isso apenas porque o mês em questão bateu com as "supostas" férias de ambos. Se tivermos sorte (ou revés!)

Também me vejo pensando no rapaz barbudo (de novo, ele!), e no quanto assistimos a jornais e – olhem só que coisa horrível – não a desenhos. O que houve com os desenhos? Por que nos interessamos tanto pelas notícias do mundo quando há uma infinidade de animações por descobrir. Por que saber de economia?

Não bastasse ter que trabalhar - e ainda fazer faculdade, porque no meu último momento de infantilidade resolvi escolher um curso errado -, tenho de escolher um emprego que me traz perigo, mas sensação de liberdade e importância (sem reclamações!). Óbvio que o salário não é bom, mas né? Quem precisa mesmo pagar aquela conta de luz que tá atrasada? Ou pagar a TV a cabo porque erraram o endereço de sua casa (óbvio que alugada)? E quem precisa de internet e luz porque definitivamente, ninguém sabe onde você mora? E você tem que resolver tudo isso em dois dias. Lembre-se.

E o cabelo branco! Por que mais um fio? Não, isso não existe! Eu sabia que minha família por parte de mãe tinha tendência, mas confiava na força indígena do meu parentesco paterno. E eu fiz luzes! Onde estão meus ideais rock’n’roll, que não me permitiam pintar meu cabelo que não fosse cor de rosa ou roxo?

Fiquei pensando tudo nisso num lapso de segundo. Que idade eu gostaria de ter agora? Quinze? Dezesseis talvez. E o que mudaria se eu não tivesse tido aquele último lapso de infantilidade e escolhido logo a profissão que me traria mais grana. Mudaria muita coisa e talvez não mudasse nada.

E continuei ali, assistindo a novela que estava passando porque – como já disse – a TV a cabo foi cortada. Rezando para ter tempo de ir aos inúmeros lugares que precisaria comparecer sem falta no dia seguinte. Pagar as contas. De novo, as contas!

Cabei com esse papinho. Cansei. Virei velha e ficar velho é muito chato.


Em tempo: Paguei as contas de luz, telefone, internet e TV por assinatura. Agora estamos sem água.