quinta-feira, 25 de agosto de 2011

Da mediocridade

Nunca fora um bom filho. Quando o pai morreu, estavam brigados. Por ser mais escuro que os familiares, achava que a mãe traíra o pai, ou que era adotado. Não aceitava suas feições, não aceitava sua família. Não aceitava nada.

Tornou-se um bom profissional. Afinal de contas, quem não tem muito amor no coração tem que pensar em outras coisas que não sejam do coração. Tornou-se um bom engenheiro. Florestal. Gostava de florestas. Talvez por sua ascendência indígena sentia proximidade mais com as plantas que com pessoas.

Até que um dia apaixonou-se. A mulher era dois anos mais velha, mas não importava. Era ela que ele queria, com ela teria seu filho. Ele sempre quis um filho, um garotinho, para brincar de futebol e dizer aos outros que era seu. Apesar dos problemas com seus próprios pais, ele acreditava que seria um bom pai.

Não veio um menino, e sim, uma garotinha, que muito se parecia com ele. “Pelo menos eu posso saber que é minha”, disse ele, irritado. Teve de aprender a gostar de coisas de garotas, de cores femininas.

“Meu Deus, ela já menstruou?”, foi o que pensou quando sua mulher lhe trouxera a notícia de que, afinal, a menininha virou uma mulher. E a filha já trazia traços de mulher. “Mas o que fiz, Deus? Mal me acostumei a brincar com ela”. O tempo passara e ele nem percebera.

Até que um dia ele descobriu que não amava mais a família. Amava uma garota que quase tinha a idade de sua filha. Por mais que a menina implorasse sua compaixão pela família, que pelo amor de Deus, ele ficasse em casa “eu ficarei sozinha, pai, não me deixe sozinha”, ele não se compadeceu. “não, não os amo mais. Nunca quis ter uma filha mesmo, sua mãe não prestou nem para me dar um homem”.

Saiu de casa. Viveu três meses de muito prazer, muitos sentimentos libidinosos, muitas aventuras sexuais. A nova mulher não tinha lá muito escrúpulos e, assim que pôde, ligou para a filha do homem para que ela pudesse ouvi-los durante o ato. A filha se matou logo em seguida.

“A culpa foi minha”, pensou . Não havia mais o que fazer. Ele percebeu o quanto amara aquela criaturinha que nunca foi o que ele queria. A depressão lhe viera logo em seguida, como um corvo que procura destruir plantações. E a nova mulher partiu. Ele estava só, apenas com seus pensamentos. Veio-lhe à lembrança todas as vezes que brigara com seu próprio pai sem motivo algum, quando acusava a mãe de trair a família. Quando dissera “não” à sua pequena filha. Quando abandonara a família. “Não passo de um idiota”.

E viveu assim, durante o resto de sua vida. Quase que celebrava sua mediocridade. De quando em quando fazia um amigo. Até que um dia, um dia que mudaria sua vida, um velho senhor sentou à mesa do bar em que bebia o segundo copo de destilado e disse-lhe: “é meu, caro, quem semeia ventos colhe tempestade”. Não conhecia o velho, mas conhecia o ditado, e pensou que ele nunca fora tão bem colocado.

E então, sem mais nada pela frente, ele pensou: “Talvez um dia as pessoas me perdoem, talvez um dia eu me perdoe”.

E foi assim, tão sem ideias, que ele morreu.

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