segunda-feira, 10 de outubro de 2011

dos encontros


Era aquela parada na rodoviária de Cuiabá. Ela era de um extremo do país, ele de outro. Tinham algumas horas até cada um seguir viagem à seus respectivos destinos. Mas a pouca conversa, já no fim da jornada de doze horas dentro de um ônibus lotado, fez com que se aproximassem.

Ele passou mal. "solavancos me dão náuseas". Ela tinha um comprimido qualquer na bolsa. Ajudou. E riram, durante toda o resto de trajeto.

- A que horas saí seu ônibus?
- Só daqui a dez horas. Ficarei aqui sem fazer nada.
- O meu saí daqui a onze. Ainda ficarei por uma hora sozinha.

E começaram. Conversaram sobre a vida, sobre o casamento dos pais. "Meu pai casou de pijamas", ela disse. "Os meus são conservadores demais. Casaram na igreja, com padre, vizinhos, familiares. Minha avó chorando, coisas do tipo", foi a resposta dele. Ela sentiu inveja. Às vezes, quase sempre, sentia vontade de ter pais normais.

E conversavam. A chuva ameaçou cair, tempo pesado. Mas ela quis passear. Ele também. Aquele lance de tomar banho de chuva que lava a alma. Como a alma dela precisava ser lavada! E ele nem sabia, mas a dele também estava suja.

Correram pela chuva como se fosse a coisa mais normal do mundo. As pessoas olhavam, assustadas. Algumas riam, já que era a tão estranho ver um casal seguindo de mãos dadas embaixo de toda aquela água. Sim, as mãos ficaram dadas. Nem perceberam quando isso aconteceu, mas parecia que suas mãos foram feitas uma para a outra.

"Você me faz rir", ela disse. "E você me faz chorar". "Por que?" "Por que eu não quero sair daqui. Por sua causa, por você." Ora, não deviam pensar naquilo agora. Que esperassem um pouco antes do desespero.

De cara souberam a vida um do outro. Ele, advogado formado. Viagem de negócios. Ela era sociológa, estudava religiões. Eram tão diferentes e tão iguais ao mesmo tempo que assustava. Tudo nele assustava. Tudo nela assustava.

O tempo passou, mas as mãos não se largaram. Em dez horas estavam apaixonados. Sabiam que se continuassem ali por mais três minutos, três horas, melhor pensando, estariam grudados pra sempre. Como uma canção de blues que não se acaba. Como se pudessem fugir para algum lugar e casar, largando tudo, fazendo os pais do garoto cairem de susto e os pais dela morrerem de rir.

A chuva parou. Sentaram em um banco. E um jovem com um saxofone começou a tocar As time goes by. "É minha música favorita", ele disse. Ela sabia, de alguma forma, que ele ia fazer esse comentário, porque também era a música favorita dela. A música que embalou várias noites de insônia enquanto ela imaginava alguém em um bar qualquer.

Faltava meia hora. Maldita meia hora. Ela não segurou o choro, nem ele. Parecia que tinham vivido um século juntos, e que a hora da separação não iria chegar. Como quando vivemos ao lado de alguém por tanto tempo que não imaginamos que ela vai morrer. E as pessoas, ah, essas sempre morrem, mesmo quando estão vivas.

Ela o viu entrar no ônibus. Chorou. Ele chorou. As mãos grudadas pelo vidro. "Não te esquecerei". Por quê? "porque você me marcou".

Certas pessoas aparecem nas nossas vidas por apenas um dia. E é o suficiente. São pessoas tão marcantes que não precisam mais que isso para fixarem seu pedaço de consciência em nossas memórias. São pessoas tão bonitas que você tem certeza que vai contar aos seus netos do momento que as conheceu. E é ruim quando acontece isso. Talvez bom, mas sempre ruim.

Um comentário:

  1. 'São pessoas tão bonitas que você tem certeza que vai contar aos seus netos de quando as conheceu.'
    graças á Deus, na minha vida existem inúmeras pessoas assim. Bonito texto! ;]

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