
Não, não vá. Te quero por perto.
Nunca fora um bom filho. Quando o pai morreu, estavam brigados. Por ser mais escuro que os familiares, achava que a mãe traíra o pai, ou que era adotado. Não aceitava suas feições, não aceitava sua família. Não aceitava nada.
Tornou-se um bom profissional. Afinal de contas, quem não tem muito amor no coração tem que pensar em outras coisas que não sejam do coração. Tornou-se um bom engenheiro. Florestal. Gostava de florestas. Talvez por sua ascendência indígena sentia proximidade mais com as plantas que com pessoas.
Até que um dia apaixonou-se. A mulher era dois anos mais velha, mas não importava. Era ela que ele queria, com ela teria seu filho. Ele sempre quis um filho, um garotinho, para brincar de futebol e dizer aos outros que era seu. Apesar dos problemas com seus próprios pais, ele acreditava que seria um bom pai.
Não veio um menino, e sim, uma garotinha, que muito se parecia com ele. “Pelo menos eu posso saber que é minha”, disse ele, irritado. Teve de aprender a gostar de coisas de garotas, de cores femininas.
“Meu Deus, ela já menstruou?”, foi o que pensou quando sua mulher lhe trouxera a notícia de que, afinal, a menininha virou uma mulher. E a filha já trazia traços de mulher. “Mas o que fiz, Deus? Mal me acostumei a brincar com ela”. O tempo passara e ele nem percebera.
Até que um dia ele descobriu que não amava mais a família. Amava uma garota que quase tinha a idade de sua filha. Por mais que a menina implorasse sua compaixão pela família, que pelo amor de Deus, ele ficasse em casa “eu ficarei sozinha, pai, não me deixe sozinha”, ele não se compadeceu. “não, não os amo mais. Nunca quis ter uma filha mesmo, sua mãe não prestou nem para me dar um homem”.
Saiu de casa. Viveu três meses de muito prazer, muitos sentimentos libidinosos, muitas aventuras sexuais. A nova mulher não tinha lá muito escrúpulos e, assim que pôde, ligou para a filha do homem para que ela pudesse ouvi-los durante o ato. A filha se matou logo em seguida.
“A culpa foi minha”, pensou . Não havia mais o que fazer. Ele percebeu o quanto amara aquela criaturinha que nunca foi o que ele queria. A depressão lhe viera logo em seguida, como um corvo que procura destruir plantações. E a nova mulher partiu. Ele estava só, apenas com seus pensamentos. Veio-lhe à lembrança todas as vezes que brigara com seu próprio pai sem motivo algum, quando acusava a mãe de trair a família. Quando dissera “não” à sua pequena filha. Quando abandonara a família. “Não passo de um idiota”.
E viveu assim, durante o resto de sua vida. Quase que celebrava sua mediocridade. De quando em quando fazia um amigo. Até que um dia, um dia que mudaria sua vida, um velho senhor sentou à mesa do bar em que bebia o segundo copo de destilado e disse-lhe: “é meu, caro, quem semeia ventos colhe tempestade”. Não conhecia o velho, mas conhecia o ditado, e pensou que ele nunca fora tão bem colocado.
E então, sem mais nada pela frente, ele pensou: “Talvez um dia as pessoas me perdoem, talvez um dia eu me perdoe”.
E foi assim, tão sem ideias, que ele morreu.
“Ele está chegando!”
A ansiedade era imensa. Desde criança imaginava esse encontro, embora soubesse, em seu íntimo, que a possibilidade de ele se realizar seria mínima. Mas, enfim, por alguma razão do destino, ela iria vê-lo.
O encontro com o ídolo seria ao meio dia. Meio dia? Sim, meio-dia. Ela iria busca-lo no aeroporto. “-Cheguei ao cúmulo! Essas fãs que ficam esperando e gritando pelo cantor preferido no aeroporto são ridículas”. E no final das contas, ria de si mesma. “-Cá estou eu, ridicularizando a mim mesma.”
Não se importava. Iria ver a pessoa que cantava seus sentimentos desde a infância. E, mesmo imaginando todas as palavras que poderia falar ao ídolo, mesmo ensaiando o que diria se tivesse a possibilidade de encontra-lo, não sabia o que falar. Era apenas mais uma fã enlouquecida pela chance de vê-lo de perto.
Ele chegava. “-engordou alguns quilos, mas ainda é bonito!”, foi o que ela pensou à primeira vista. Decidiu não gritar como os outros fãs faziam. “-Sei que ele não gosta de fãs assim, ele é quieto!”. Ficou encolhida, esperando os repórteres saírem de perto. “-talvez eu tenha a chance de falar-lhe algo!”
Os jornalistas fizeram sua pequena entrevista, e ela esperava. Quando o ídolo ia sentar para, finalmente, almoçar, decidiu. Decidiu não, foi empurrada! Por sorte, o fotógrafo oficial do jornal era seu amigo. “-Vá lá, realize seu sonho!”, foi o que ela ouviu. E, na sorte, e digamos que até na malandragem, foi atrás.
“-Posso tirar uma foto com você?”, disse ela, timidamente. “-Claro!”, respondeu o cantor, puxando a fã para dar os dois beijinhos no rosto de cumprimento. Ao sentir pousar a mão dele em seu ombro, ela pensou que desmaiaria. “Por favor, não vomite agora!”.
Foto tirada. Ela acrescentou: “-faça um bom show, amanhã!”. O ídolo respondeu: “Sim, obrigado Espero por você lá!”
No final das contas, ela sabia que ele não iria mais lembrar as feições dela. Mas ela recordaria aquele momento como um dos mais especiais de sua vida. Conquistar os menores sonhos, aqueles que poderiam até ser considerados bobos, é apenas o primeiro degrau que nos dá apoio para conquistar os maiores.
“Esse foi apenas o primeiro!”, pensou ela, fortalecida.
**texto feito sobre o meu encontro com Andre Matos